SNES: Super Nintendo Entertainment System
Mais do que uma máquina, ele era um amigo — o tipo de companheiro que sempre estava lá para trazer diversão e conforto. Era uma época diferente, em que não existiam jogos com orçamentos milionários nem gráficos ultrarrealistas. A gente jogava por pura diversão, sem se preocupar com discussões ou críticas. O importante era descobrir novos mundos e se perder neles.
O Super Nintendo Entertainment System (SNES) não foi apenas um console de videogame — ele foi um marco cultural e tecnológico e o personagem principal da quarta geração de consoles, que compreende os videogames lançados entre os anos de 1987 e 1996. Sua chegada representou o amadurecimento da indústria dos games e elevou o produto videogame a um patamar nunca antes visto. Antes de entender o impacto que ele causou, é importante olhar para o cenário em que nasceu.
Contexto Histórico – O Fim dos Anos 80
O final da década de 1980 marcou uma transição profunda na história global. O mundo assistia ao encerramento da Guerra Fria, simbolizado pela queda do Muro de Berlim em 1989 e pela dissolução da União Soviética em 1991. Esse contexto trouxe um sentimento de otimismo e de confiança nas promessas do progresso tecnológico e econômico. Os Estados Unidos consolidavam-se como o grande centro da inovação e do consumo cultural de massa: a Terra das Oportunidades.
Com o avanço das telecomunicações e da tecnologia doméstica, o termo “globalização” ganhou força e expressão. Ícones da música, do cinema e da televisão passaram a transcender fronteiras, moldando uma cultura pop mundial. Nesse ambiente de convergência midiática, os videogames despontaram como um novo vetor de criatividade e modernidade. A crise de 1983 já fazia parte do passado: o sucesso do Nintendo Entertainment System (NES) havia revitalizado a indústria e recolocado a Nintendo no centro do cenário global.
Contudo, o domínio da empresa começava a ser desafiado. Em 1987, a NEC, em parceria com a Hudson Soft, lançou o PC Engine — conhecido no Ocidente como TurboGrafx-16 —, considerado o pioneiro da era de 16-bits. O console chegou a superar o Famicom em vendas no Japão em 1988, ainda que por um curto período.
Logo em seguida, a SEGA apresentou o Mega Drive (ou Genesis, nos Estados Unidos), lançado em 1988 no Japão e em agosto de 1989 no mercado norte-americano. Embora sua recepção no Japão tenha sido modesta, o console conquistou enorme sucesso no Ocidente, especialmente sob a liderança de Michael Katz e, posteriormente, Tom Kalinske, que dirigiram a SEGA of America. A partir desse momento, a rivalidade entre Nintendo e SEGA daria início à mais célebre disputa da história dos videogames: a Guerra dos 16-bits.
A NEC, por um breve período no Japão, liderou a venda de consoles, com o seu PC Engine, renomeado para TurboGrafx-16 no ocidente. A SEGA, por sua vez, travou uma acirrada guerra de consoles com a Nintendo nos EUA, em busca da primazia de mercado.
Nasce uma Lenda
A Nintendo respondeu a esse novo cenário com um projeto ambicioso: desenvolver um console de 16-bits que redefinisse o padrão técnico e retomasse a liderança de mercado. O projeto do Super Famicom foi liderado por Masayuki Uemura — o mesmo engenheiro responsável pelo Famicom — sob a supervisão do presidente Hiroshi Yamauchi. A equipe contou ainda com Takao Sawano na engenharia de hardware e com a colaboração da Sony, sob a direção de Ken Kutaragi, responsável pelo desenvolvimento do chip de som SPC700.
Nos estágios iniciais, a Nintendo avaliou a possibilidade de tornar o novo sistema retrocompatível com o Famicom. A ideia era permitir que os jogadores continuassem utilizando seus antigos cartuchos de 8-bits. Revistas japonesas como Famitsu (edição nº 104, junho de 1989) e Beep! (agosto de 1989) chegaram a divulgar imagens de protótipos que incluíam dois slots de cartucho — um para o novo formato e outro para os jogos anteriores. Contudo, a proposta foi abandonada devido ao alto custo e à complexidade técnica. Curiosamente, a SEGA adotou estratégia oposta: o Mega Drive possuía retrocompatibilidade com o Master System por meio do acessório Power Base Converter (1989), o que facilitou a transição entre gerações e fidelizou sua base de jogadores.
Protótipo do Super Famicom, de 1988, com adaptador de retrocompatibilidade com o Famicom.
O Design Ocidental
Para o mercado norte-americano, a Nintendo optou por uma abordagem distinta, adaptando o design do Super Famicom às preferências ocidentais. Sob a direção de Lance Barr — o mesmo designer do NES —, a Nintendo of America redesenhou o console com linhas mais retas, cores em tons de cinza e roxo e uma estética mais robusta, condizente com o estilo dos equipamentos domésticos do período.
O Super Nintendo Entertainment System (SNES) foi apresentado oficialmente durante a Consumer Electronics Show (CES) de 1991, realizada em Las Vegas. No evento, a Nintendo exibiu protótipos do console e demonstrou jogos como Super Mario World, F-Zero e Pilotwings, despertando entusiasmo na imprensa e no público.
O lançamento oficial ocorreu em 23 de agosto de 1991, ao preço sugerido de US$199,00, com Super Mario World incluso. Seu principal concorrente, o SEGA Genesis, custava cerca de US$189,99 e vinha acompanhado de Sonic the Hedgehog. O lançamento do SNES foi um sucesso imediato: longas filas se formaram, estoques se esgotaram rapidamente e as vendas superaram as expectativas, levando a Nintendo a aumentar sua produção para atender à crescente demanda.
Arquitetura e Características Técnicas
O Super Nintendo foi concebido para equilibrar desempenho e custo, oferecendo avanços técnicos notáveis em relação ao NES. O console utilizava uma CPU Ricoh 5A22, baseada no processador WDC 65C816 de 16-bits, operando entre 1,79 e 3,58 MHz, conforme a natureza da tarefa executada. Embora não fosse o processador mais veloz de sua geração, sua arquitetura compensava com chips auxiliares dedicados a vídeo, som e gerenciamento de memória.
O sistema podia exibir até 32.768 cores, com 256 simultâneas na tela, e suportava resoluções que variavam entre 256×224 e 512×448 pixels. O célebre Mode 7 permitia rotação e escalonamento de planos, simulando efeitos tridimensionais — um marco técnico explorado em títulos como Super Mario Kart, F-Zero e Pilotwings.
O SNES dispunha de 128 KB de RAM principal e 64 KB de VRAM, além de oito canais de som estéreo gerenciados pelo processador de áudio SPC700, desenvolvido pela Sony. Esse chip, em conjunto com o DSP (Digital Signal Processor), possibilitava efeitos sonoros e trilhas musicais de altíssima qualidade.
Outra característica revolucionária era sua arquitetura expansível: cartuchos podiam conter chips adicionais que ampliavam as capacidades do console. Entre os mais célebres estavam o Super FX (utilizado em Star Fox e Yoshi’s Island), o SA-1 (em Super Mario RPG) e o CX4 (em Mega Man X2 e X3). Essa flexibilidade garantiu ao SNES uma longevidade técnica singular, permitindo evoluções contínuas ao longo dos anos 1990.
O que significa “16-bits”?
O termo “16-bits” refere-se à largura do barramento de dados da CPU — ou seja, à quantidade de informações que o processador consegue manipular simultaneamente. Um sistema de 16-bits é capaz de processar 16 unidades de informação em paralelo, o que se traduz em maior velocidade, gráficos mais detalhados e sons de melhor qualidade em relação aos sistemas de 8-bits anteriores. A expressão começou a ser amplamente usada no final dos anos 80 para destacar o salto tecnológico dos novos consoles, tornando-se um símbolo de modernidade e poder técnico na indústria dos videogames.
Um dos primeiros consoles a representar essa transição foi o PC Engine, da NEC e Hudson Soft. Seu processador, o HuC6280, era baseado no 65C02 da MOS Technology e trazia uma arquitetura híbrida: embora fosse tecnicamente um chip de 8-bits, possuía um barramento interno de 16-bits, o que lhe permitia alcançar velocidades mais altas e gerar gráficos e sons muito superiores aos do Famicom. Essa combinação foi o motivo pelo qual o PC Engine passou a ser amplamente reconhecido como o primeiro console da chamada “era dos 16-bits”, mesmo sem ser, em essência, um sistema totalmente de 16-bits.
Nos Estados Unidos, o Super Nintendo teve duas versões principais. A primeira, lançada em 1991, é a clássica que todo mundo lembra: cinza com botões roxos e um design mais quadrado — bem diferente do modelo japonês. Ela trazia aquele visual robusto, típico dos aparelhos eletrônicos americanos da época. Já em 1997, veio o SNES 2, também conhecido como SNS-101 ou Super Nintendo Baby. Essa versão era menor, mais leve e mais barata, lançada quando o Nintendo 64 já estava no mercado. Apesar de ter perdido a alavanca de ejeção e a saída RGB, o modelo ficou famoso pela durabilidade e pelo visual compacto, que ainda hoje é muito querido pelos colecionadores.
A Chegada ao Brasil e o Papel da Playtronic
No Brasil, o Super Nintendo chegou oficialmente em 1993 por meio da Playtronic, uma parceria entre a Gradiente e a Estrela, criada sob licença direta da Nintendo. A empresa surgiu num momento crucial: o país acabava de encerrar a Lei de Reserva de Mercado, que por anos havia limitado a importação de eletrônicos e forçado a fabricação local de computadores e consoles.
Embora outras companhias, como a Tec Toy, já representassem grandes marcas estrangeiras — no caso, a SEGA —, a Playtronic foi a primeira operação formal da Nintendo com presença direta e suporte oficial no Brasil. Ela trouxe o Super Nintendo com garantia local, manuais em português e publicidade própria, adaptando o produto ao consumidor brasileiro.
Esse movimento ajudou a profissionalizar o mercado nacional de games, tornando o SNES um fenômeno acessível e legitimando o Brasil como parte integrante do cenário global dos videogames.
Longevidade e Legado do Console
O Super Famicom permaneceu em produção no Japão até setembro de 2003. Nos Estados Unidos, o SNES teve seu ciclo encerrado em 1999, resultando em mais de uma década de relevância comercial. Durante esse período, foram lançados cerca de 1.449 jogos no Japão e 721 na América do Norte, totalizando mais de 1.700 títulos distintos.
O catálogo abrangeu franquias icônicas como Super Mario, The Legend of Zelda e Metroid, além de RPGs de prestígio como Chrono Trigger, Final Fantasy VI e Secret of Mana. Mesmo nos últimos anos da geração 16-bits, entre 1996 e 1997, quando a SEGA focava no Saturn, a Nintendo manteve-se à frente em vendas, impulsionada por sucessos como Donkey Kong Country 2, Super Mario RPG e Yoshi’s Island.
A combinação de domínio técnico, apelo popular e suporte consistente assegurou ao Super Nintendo uma vitória simbólica na Guerra dos 16-bits, consagrando-o como o console mais emblemático e duradouro de sua era.
O Meu Preferido
O Super Nintendo foi o console que me inseriu de fato no mundo dos videogames. Mais do que uma máquina, ele era um amigo — o tipo de companheiro que sempre estava lá para trazer diversão e conforto. Era uma época diferente, em que não existiam jogos com orçamentos milionários nem gráficos ultrarrealistas. A gente jogava por pura diversão, sem se preocupar com discussões ou críticas. O importante era descobrir novos mundos e se perder neles.
Por isso, o Super Nintendo representa, pra mim, a essência verdadeira de jogar. E é com esse espírito que o projeto Arquivando Jogos renasce: revisitar o SNES é voltar a uma era de imaginação, criatividade e descobertas. É um reencontro com o que faz dos videogames algo tão especial — a capacidade de emocionar, conectar e inspirar gerações.